Decidi escrever este artigo, pois é comum encontrar prestadores de serviços que exercem profissões intelectuais, de natureza científica, tais como: médicos, psicólogos, fisioterapeutas, engenheiros, dentre outros que se assemelhem, que têm interesse em abrir uma empresa como Empresário Individual. E logo surgem as questões: é possível? Seria viável? No decorrer deste artigo, irei abordar alguns aspectos que ajudarão a responder essas perguntas e explanar alguns pontos fundamentais para compreensão da relação entre o Empresário Individual, o Elemento de Empresa e a Tributação envolvida.

Primeiramente, esclareço que sempre que eu utilizar o termo “Empresário Individual”, me refiro à antiga firma individual, que não deve ser confundida com a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI. Tratarei das principais diferenças entre as duas modalidades ao final desta breve explanação.

Para compreendermos os aspectos que serão abordados, é fundamental fazer vistas ao artigo 966 e seu parágrafo único, bem como para o artigo 982 do Código Civil (Lei 10.406/02):

“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”

“Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.”

Para iniciar, é preciso compreender que as empresas podem, basicamente, ser abertas em dois órgãos diferentes: sendo um deles a Junta Comercial, que é responsável por registrar as empresas que irão explorar atividade econômica empresarial organizada nos termos dos artigos 966 e 982 do Código Civil; e o outro o Cartório, que deverá registrar as empresas consideradas de natureza simples, isto é, em que o titular ou sócios atuem de forma pessoal na empresa, exercendo profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística.

Importante saber os órgãos de registro para começarmos a entender sobre o tema, uma vez que o Empresário Individual somente pode ser registrado na Junta Comercial, no Cartório não é prevista esta modalidade. Sendo assim, ao analisar o parágrafo único do próprio artigo 966, vemos com clareza que não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, e aqui temos a resposta para a primeira pergunta, se é possível o médico, desempenhando pessoalmente o papel de prestador de serviços médicos, se registrar como Empresário Individual. A resposta é não, uma vez que a Junta Comercial não fará o registro, alegando que a forma de atuação não constitui o elemento de empresa.

Mas o que é o “elemento de empresa”? Tema muito debatido que vou abordar de forma breve nas linhas seguintes. Para facilitar o entendimento irei utilizar sempre o médico como exemplo. Então, já vimos que o médico, prestando serviços médicos, não é considerado empresário de acordo com a lei, mesmo que contrate auxiliares ou colaboradores, isto é, se contratar uma secretária e/ou uma pessoa para limpeza de seu consultório, ainda assim, não se tem o elemento de empresa, logo não será considerado empresário. O elemento de empresa surge quando não houver mais a pessoalidade dos sócios ou titular para realizar a atividade-fim da empresa, ou seja, quando houver terceiros executando as atividades de prestação de serviços médicos. Seria o caso de uma clínica médica que contrata diversos médicos para trabalhar ali, caracterizando, assim, atividade empresarial, que deve ser registrada na Junta Comercial.

Dando continuidade, entendemos que o médico, prestando serviços médicos, não pode atuar na forma de Empresário Individual. Sendo assim, as opções são: abrir uma Sociedade Simples ou uma EIRELI Simples no Cartório. Nesse momento, é preciso verificar qual tipo jurídico se encaixa melhor para os objetivos da empresa.

Agora, retomo à segunda pergunta que levantei no início, já sabendo que não é possível o médico se formalizar como Empresário Individual. Mas, se fosse, seria viável? Para responder com precisão, temos que analisar com cautela o § 2º do artigo 150 do Decreto 3.000/99 – Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99 – artigo na íntegra no final do texto), e aí constatamos que, mesmo se fosse possível registrar o médico como Empresário Individual, não seria viável, haja vista que, neste artigo, temos a previsão de que o Empresário Individual exercendo a atividade nas condições que estou demonstrando deverá ser tributado nos moldes de Pessoa Física, logo, não teria benefício tributário algum.

Como parte complementar, irei discorrer resumidamente sobre os tipos jurídicos apresentados, começando pelo Empresário Individual, que não é considerado Pessoa Jurídica de acordo com o Código Civil (Lei 10.406/02, art. 44), sendo assim, sua responsabilidade é ilimitada, portanto, não existe separação patrimonial entre Pessoa Física e Empresa, o que significa dizer que a dívida contraída por uma se mistura com a de outra. Nessa modalidade, não é previsto um valor mínimo de Capital Social para que a empresa seja aberta. Já na Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, a responsabilidade do titular é, a princípio, limitada ao valor do capital social da empresa, mas, nesta modalidade a lei prevê que deverá ser devidamente integralizado o capital social de, no mínimo, cem vezes o salário mínimo vigente no País. No caso das Sociedades Limitadas, a responsabilidade dos sócios também é limitada, porém, a lei não prevê um valor mínimo a ser integralizado.

Espero ter esclarecido a importância de definir corretamente a forma de atuação da empresa, compreender as diferenças entre os tipos jurídicos, analisar as possibilidades, estudar as particularidades tributárias envolvidas e estar atento à complexa legislação brasileira. Uma recomendação que sempre faço é procurar um bom escritório contábil, que possa fornecer as orientações adequadas no momento da abertura de sua empresa.

 

Decreto 3.000/99

“Art. 150.  As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são equiparadas às pessoas jurídicas (Decreto-Lei nº 1.706, de 23 de outubro de 1979, art. 2º).

  • 1ºSão empresas individuais:

I – as firmas individuais (Lei nº 4.506, de 1964, art. 41, § 1º, alínea “a”);

II – as pessoas físicas que, em nome individual, explorem, habitual e profissionalmente, qualquer atividade econômica de natureza civil ou comercial, com o fim especulativo de lucro, mediante venda a terceiros de bens ou serviços (Lei nº 4.506, de 1964, art. 41, § 1º, alínea “b”);

III – as pessoas físicas que promoverem a incorporação de prédios em condomínio ou loteamento de terrenos, nos termos da Seção II deste Capítulo (Decreto-Lei nº 1.381, de 23 de dezembro de 1974, arts. 1º e 3º, inciso III, e Decreto-Lei nº 1.510, de 27 de dezembro de 1976, art. 10, inciso I).

  • 2ºO disposto no inciso II do parágrafo anterior não se aplica às pessoas físicas que, individualmente, exerçam as profissões ou explorem as atividades de:

I – médico, engenheiro, advogado, dentista, veterinário, professor, economista, contador, jornalista, pintor, escritor, escultor e de outras que lhes possam ser assemelhadas (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea “a”, e Lei nº4.480, de 14 de novembro de 1964, art. 3º);

II – profissões, ocupações e prestação de serviços não comerciais (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea “b”);

III – agentes, representantes e outras pessoas sem vínculo empregatício que, tomando parte em atos de comércio, não os pratiquem, todavia, por conta própria (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea “c”);

IV – serventuários da justiça, como tabeliães, notários, oficiais públicos e outros (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea “d”);

V – corretores, leiloeiros e despachantes, seus prepostos e adjuntos (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea “e”);

VI – exploração individual de contratos de empreitada unicamente de lavor, qualquer que seja a natureza, quer se trate de trabalhos arquitetônicos, topográficos, terraplenagem, construções de alvenaria e outras congêneres, quer de serviços de utilidade pública, tanto de estudos como de construções (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea “f”);

VII – exploração de obras artísticas, didáticas, científicas, urbanísticas, projetos técnicos de construção, instalações ou equipamentos, salvo quando não explorados diretamente pelo autor ou criador do bem ou da obra (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea “g”).”


Fernando Henrique Klinke Buzaneli é Contador e atua como Analista Societário e Comercial na Flávio Buzaneli Serviços Contábeis.

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